domingo, 4 de outubro de 2009

Lendo sobre: História, Arte e Memória

Olá Pessoal,
Em meio as minhas leituras sobre História, Memória e Cultura cruzar com a Arte é deliciosamente inevitável...perco-me por esses cruzamentos e deixo minhas ideias, simplesmente irem...voarem....e o mais importante desses voos é porque nunca voamos sozinhos.. por isso mando pra vocês esse fragmento do livro que estou lendo agora: Cinema: a arte da memória (Milton José de Almeida). Espero que gostem tanto quanto eu ou sirva para boas discussões.

"... A arte não é uma ruína, um despojo, um objecto que possa ter validade por si. Enquanto arte, ela só existe se for investida desse significado por aqueles que a olham, ou a escutam. Pode haver artes feitas no passado, mas não podem existir artes passadas porque cada presente as reconstrói.
Quem vê uma obra de arte enriquece-se nessa visão ao receber, com a imagem de si próprio, a miríade de imagens de quem nela se olha e se olhou, e a imagem da grande matriz que algum dia se reflectiu na obra a que deu luz. E já não nos vemos a nós, mas a nós no mundo, ou quem sabe se ao mundo em nós. Se a alienação é, para os marxistas, a existência fora da história ou - o que vem a dar exactamente no mesmo - se o demónio reside para Dostoyevsky na mediocridade alheia às grandes pulsões do Bem e do Mal, nada mais exacto então do que definir alienação e inferno como uma vida sem arte. Essa seria uma vida sem percursos no tempo, e se alguma criação está contida no gesto artístico é a nossa capacidade de restabelecermos a arte no presente, de revivermos o tempo. Santo Agostinho abominava a arte não, decerto, por ela ser luxuriosa, porque nas Confissões os maiores pecados são abstractos, e nunca carnais. Mas a arte rouba a Deus - quase lhe rouba - o privilégio de estar além do tempo. E permite-nos algo que nenhum Deus jamais teve, a possibilidade de a todo o momento refazermos o passado, reconstruirmos outra história por sobre os traços da história que veneramos, ou desconhecemos, ou abominamos.
Talvez seja certo que sem serem provocadas pelo confronto com uma obra de arte muitas pessoas não ousariam lançar um olhar estético. Mas o que tenho a certeza é que, se a arte está tanto no objecto como na nossa visão, pela sua mera presença a arte faz de todos nós artistas. A partir do momento em que ela se oferece, a arte é roubada a quem o criou e navega nos olhares, ou ecoa nos tímpanos, de quem lhe assiste. E são estes muitos os seus verdadeiros criadores, ou os mais importantes, porque se houve um que lhe deu o pretexto da existência, os demais asseguram-lhe a perenidade. É nesta rede de olhares que o efémero vive e sobrevive, multiplicando o eco do seu tempo através de todos os outros tempos, igualmente circunstanciais e fugazes.
Desta maneira o homem, que constrói a história, confunde-lhe os traços erguendo, por cima, o jogo de espelhos da eternidade".
Um forte abraço, prof. Marta Lima

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